Aviso
Sempre adorei marcadores de página. Juro que antes de começar a escrever esse texto tentei buscar dentro de mim o motivo de tanto gostar. Mas em vão. Consegui apenas algumas alternativas, e a que mais chamou a atenção foi a de beirar à acumulação em virtude de uma vontade intrínseca de guardar registros históricos e objetos. Eu explico: eu gosto de guardar as coisas pois dentro do meu ser vem uma espécie de carinho/angústia com certos ítens. Por isso tive coleções de jornais, latinhas, recortes de revista, etc. Com os marcadores de página não foi diferente.
Todavia, chegou finalmente o dia que me peguei pensando “mas pra que isso?”. Ponderei em mim que eu não gosto de ler mais de um livro ao mesmo tempo, não tem um porquê de ter mais de um marcador. Por outro lado, eu perco coisas. Aconteceu que perdia alguns dos marcadores. Comecei a improvisar, com uma nota fiscal, sei lá, qualquer coisa, para delimitar onde eu havia parado minha leitura. Até que juntei o útil, que é a vontade de jogar as realidades na minha própria cara, e o agradável, ter um marca página legal. Aí surge minha amiga, Marília.
Em um dia em que o inverno tinha cara de outono, e a primavera empurrava o frio tentando desabrochar suas flores na cidade, a Marília entrou no meu apartamento. Era uma sexta-feira. O ambiente se assemelhava ao da casa de um adolescente punheteiro que joga muito LoL. A mesa central estava cheia de papéis. Um misto de material da faculdade e lixo. Meus travesseiros brigavam incansavelmente com as cobertas em cima do sofá. O chão da cozinha estampava marcas de molho, a lixeira vomitava sua superlotação e a louça suplicava por uma lavagem. Num geral, a decoração do apartamento se resumia em algumas latas de cerveja, garrafas de vinho, sedas, maços e cinzas de cigarro, e restos de embalagens de comida com muita gorduratrans. Pintei, literariamente, o quadro “A fossa”, por mim mesmo.
Havia pouco mais de uns quatro dias que tinha terminado com Amy Dunne, minha ex (O nome fictício não tem nenhuma relação de como hoje enxergo o funcionamento de sua psique). Minha relação com ela durou alguns meses. Foi difícil. Uma nova tentativa de fim a cada final de semana, o desamor, o afastamento desmotivado, a minha inexistência em sua vida, visto que, ao contrário dela, eu jamais conheci um amigo ou familiar. Jamais. Nem uma única menção em rede social, seja lá o que for. Muito pelo contrário, ela sempre correu de câmeras. Vai que o irmão dela visse, iria cobrar. Pelo que? Jamais soube. Enfim, eu nunca existi de verdade. Era uma relação quase clandestina.
Revelações, desamor, desafeto, desrespeito, insensibilidade e uma vontade única e exclusiva de pisar e humilhar, seguiram-se nos dias que procederam o fim. O que, claro, me deixou nos “pé-da-égua”, como diz minha mãe. Fui ajudado por amigos, Marlboro vermelho e Rivotril. Foi esse cenário que a Marília encontrou. Entre muitas conversas, lamentações, caras de bunda, risadas e mais álcool, chegamos à conclusão: “chega de Amy, né? Nunca mais”. Nunca mais, concordei. Mas como todo o bom idiota na fossa, o nunca mais nunca é nunca mais. Voltamos.
Um dia saímos. Todos. Amy, Marília e todos os meus amigos. Os olhares eram de bastante desconfiança, mas eles foram fantásticos como sempre e deixaram Amy o mais a vontade possível. Também pudera, eu celebrava uma conquista pessoal. Era o meu dia. Só era permitida a alegria e felicidade. Mas para Amy não era isso. Seguia fria, distante. Estava perto de mim e não encostava. Fugia dos meus abraços e vivia para usar apenas o celular. Cortava o raciocínio e a conversa das pessoas para áudios urgentes sem urgência. Além de enciumar com quem me dava qualquer tipo de carinho. A noite foi uma merda. Estava mergulhado no mais completo desamor. Discutimos a madrugada inteira e perdi a minha própria celebração.
No dia seguinte levantei. A casa destruída pela celebração dos amigos. Meu peito vazio pelo relacionamento vazio. Abro meu Whats e pipoca um convite para ir até a Redenção. Aceitei de pronto. Não queria me sentir mais sozinho que me sentia. Vesti uma camiseta do Red Hot Chilli Peppers, calcei minha alpargata de coloquei a mochila nas costas. Desci na Osvaldo Aranha e segui a pé até perto do chafariz do Parque Farroupilha. Lá estava Marília, junto com seu namorado e meu amigo Nícolas, e nosso amigo Saulo. Dei “oi” para todos e fui surpreendido pelo braço esticado de Marília com um cartão. Aquele cartão que viria a se tornar meu marcador de página para sempre. Aquela coisa pessoal e que serve para me lembrar que sou um idiota e não posso cometer o mesmo tipo de erro novamente. O cartão 7x4, na cor vermelha, trazia no verso remetente e destinatário. “De: mim”, “Para: tu”. Descolei o adesivo que me separava do conteúdo do cartão. Abri e retirei um bilhete direto, sincero e coerente:
-Eu avisei!
Preciso aprender a ouvir os amigos com mais frequência.