Não tenho medo de morrer
Por Felipe Lopes
Ouvi em uma velha canção a seguinte frase: “Não há nada mais triste que um homem morrendo de frio”. Sempre a achei intrigante, mas agora, perto da morte, consigo entendê-la. Faz frio nessa cadeira, faz frio no ambiente inteiro. Da boca dos guardas falando suas baboseiras e das velhas carcomidas da primeira fileira a minha frente, a fumaça densa acusa a temperatura que eu não sei precisar. Pouco importa agora. Meu único desejo é que puxem logo essa alavanca e eu não tenha mais que olhar para esses abutres loucos por vingança. Sim, vingança. A morte de outros, mesmo que injusta, é o combustível da alma deles. Pobres de espírito, pobres de humanidade.
Entrei aqui há pouco mais de um ano. Me tiraram da minha casa em St. Louis e me colocaram direto no corredor da morte. Não cometi crimes, mas recebi três castigos. O primeiro castigo foi descobrir a traição da minha esposa com um bêbado idiota da cidade. O segundo foi vê-la morta com oito golpes de facas. O terceiro foi ser responsabilizado por esse crime. Ao que tudo indica, o corno é sempre o primeiro suspeito. Como não consegui me defender da injustiça e o povo clamava para que a minha cabeça fosse jogada aos leões, fui condenado. Me colocaram no mesmo fundo de poço que um britânico que estuprou e matou, no mínimo, oito pequenas meninas no interior de Illinois. Durante o calvário da minha estadia nesse canto esquecido por Deus, ouvi-o detalhar cada um dos crimes. Contava quase que de maneira orgástica. E não havia jeito de fazê-lo parar. Inúmeras noites acordei com os gritos e imagens das meninas na minha cabeça.
Os porcos rasparam o topo da minha cabeça, como se eu fosse um padre franciscano e agora já começam a amarrar as fivelas para apertar meus punhos junto à cadeira. Como se eu fosse fazer algo para impedir que esse momento chegue. O John, guarda da prisão, vai ser o responsável por molhar a esponja e colocar sob o topo da minha cabeça. O frio praticamente triplica e o que eu mais quero é que isso tudo acabe.
- Em nome do Governo dos Estados Unidos da América e aos poderes dados a mim no estado de Missouri, concedo ao detento, de forma garantida pela lei, um último desejo antes de concluirmos o processo.
- Puxa logo essa alavanca de merda!